
Fish House Punch:
preparando um clássico
Receitas e Receitas
Nos últimos posts, falei (e muito!) sobre a história do punch, e sobre como interpretar receitas antigas para ingredientes atuais. Agora, vamos ao que interessa: preparar um clássico.
O Fish House Punch, ou Philadelphia Fish House Punch, foi registrado pela primeira vez em 1795 no jornal interno do Clube de Pesca de Schuylkill (não me pergunte a pronúncia). A receita original não difere muito da registrada por Jerry Thomas no primeiro livro de coquetelaria, o The Bartender´s Guide (O Guia do Bartender), de 1862.
De todas as centenas de receitas de punch que sobreviveram, esta é uma das (se não a mais) reproduzida até hoje. Diversos autores, mixologistas, e bares famosos criaram suas versões ao longo dos últimos dois séculos.
Em sua essência, o Fish House Punch consiste de:
- Rum
- Brandy ou Conhaque
- Brandy de Pêssego ou Licor de Pêssego
- Açúcar
- Limão
- Água
Eu poderia me delongar nas especificidades de cada receita, mas acredito que já dei informações o bastante aqui para que você faça isso por conta própria. Vou deixar aqui algumas memoráveis, e seguir para meus próprios testes:
Schuylkill Fish Club
Para 1 pint de suco de limão
adicione 3 pints da mistura apresentada abaixo
10 pints de água
4 libras do melhor pão de açúcar
Quando gelo for usado, use menos água.A Mistura: 0.5 pint Jamaica Rum
0.5 pint Cognac Brandy
0.5 pint melhor Brandy de Pêssego
Jerry Thomas’s Bartender´s Guide
Pegue 0.33 pint de suco de limão siciliano
0.75 libra de açúcar branco diluído em água suficiente.
0.5 pint de Cognac brandy.
0.25 pint de brandy de pêssego.
0.25 pint de Jamaica rum.
2.5 pints de água gelada.
Gele e sirva. As medidas acima são geralmente suficientes para uma pessoa.
The Savoy Cocktail Book
O suco de 6 limões sicilianos
0.5 libra Açúcar Refinado
0.5 Pint Brandy
0.25 Pint Brandy de Pêssego
0.25 Pint Jamaica Rum
3 Pints Água com Gás
Use um bowl de punch largo com gelo.
Death & Co Modern Classic
4 cubos de açúcar
2 onças club soda
1 onça limão siciliano
1 onça Hine H Cognac
1 onça Appleton V/X Rum
0.5 onça Massenez Crème de Pêche Licor de Pêssego
Garnish: Fatias de Pêssego
The Dead Rabbit Drinks Manual
5 onças Sherbet de Limão Siciliano
10 onças Laird´s Applejack Bonded Proof
3.5 onças Smith & Cross Jamaican Rum
3.5 onças Banks 7 Rum
5 onças Merlet Crème de Pêche
7.5 onças Suco de Limão Siciliano Fresco
0.3 onça Angostura Bitters
Noz-Moscada fresca, ralada para a guarnição
Cocktail Codex
2 onças água com gás gelada
0.75 onça Pierre Ferrand Ambre Cognac
0.75 onça Appleton Estate Reserve Blend Rum
0.75 onça Giffard Crème de Pêche de Vigne
0.25 onça Xarope de Açúcar de Cana
1 tira de casca de siciliano
Garnish: 1 rodela de siciliano e noz-moscada.
The Cocktail Bible
1 MEDIDA COGNAC
1 MEDIDA RUM
0.5 MEDIDA LICOR DE PÊSSEGO
1 MEDIDA LIMÃO SICILIANO
0.5 MEDIDA XAROPE DE AÇÚCAR
2 MEASURES COLD ENGLISH
CHÁ ENGLISH BREAKFAST
ÁGUA COM GÁS, PARA COMPLETAR
FATIA DE LIMÃO SICILIANO, PARA GUARNIÇÃO
Versão Brasileira Herbert Richers

Para reproduzir o Fish House Punch, encontrei alguns empecilhos relativos aos ingredientes usados. Para começar, o brandy de pêssego das primeiras receitas é dificílimo de achar num geral, que dizer no Brasil. Até aí tudo bem: várias receitas modernas já foram adaptadas para usar licor de pêssego no lugar; eu usei o da marca Peachtree.
Em seguida veio o Cognac. Eu adoraria me dar ao luxo de usar um Hennessy ou Rémy Martin, mas este era um punch para uma festa com amigos que, embora os ame, não saberiam a diferença de um bom conhaque para um Doméq (nada contra). Levando em conta a diferença de valor entre essas garrafas, optei pelo meio-termo: usei um Brandy de Jerez da marca Osborne.
Daí vem o dilema do Rum. No Brasil, ou ao menos em Brasília, é dificílimo encontrar runs que se aproximem do perfil funky que eu precisaria. Os mais próximos, quando existem, começam na faixa de R$250 a garrafa. Novamente foi necessário quebrar a cabeça para pensar em como resolver isso, mas por sorte uma coisa que não nos falta são boas cachaças.
Embora cachaça e rum sejam destilados distintos, são feitos da mesma matéria-prima: cana de açúcar. É comum ouvir que a cachaça é feita do mosto da cana (correto), e que o rum é feito do melaço (parcialmente correto). Runs de melaço são bastante comuns, e com certeza são os que o Brasil importa com maior frequência; mas runs feitos do mosto também existem, e geralmente são denominados rhum agricole.
Qual foi a solução? Usar 2/3 de rum, e 1/3 de cachaça.
Misturei quantidades iguais do Bacardi Carta Ouro com o Havana Club 3 Anos; simplesmente, era o que eu tinha disponível. Dito isso, se eu fosse esbanjar (com o que chega no Brasil) testaria como base um blend de Rum Angostura 5 Anos e Goslings Black Seal, nas proporções de 2:1.
Aqui eu já tinha algum envelhecimento, muitas notas de frutas secas do licor de pêssego e brandy de jerez, um quê de cana fresca, mas faltava personalidade.
Vamos às cachaças: notas de fruta fermentada, couro, carne curada. O tal do sabor funky era meu objetivo, mas dando preferência a garrafas que eu já possuía, ou que fossem de fácil acesso.
Não vou mentir: não saberia dizer as proporções exatas das cachaças que usei. Fui adicionando aos poucos e provando, aumentando alguma conforme necessário. Tudo que posso dizer é quais usei: Primavera Cabriúva, com notas frutadas e um quê herbal; e Salineiras Bálsamo 10 Anos, com notas quentes, levemente adocicada e toque de condimentos.
Deus Abençoe Essa Bagunça
O resultado até aqui foi uma base frutada, com notas picantes e corpo amadeirado que não se sobressaía. Em suma, algo com que eu podia trabalhar.
Para o restante do dulçor (usei pouco licor para que o sabor de pêssego não escondesse todo o restante), preparei um sherbet de limão siciliano. Como mencionei no post anterior, o sherbet é um xarope feito com suco de limão e oleo saccharum das cascas. Muito aromático, lembra bastante um limoncello sem álcool.
Para o ácido, usei 3/4 de suco de limão siciliano e 1/4 de suco de tahiti, pra remeter às receitas mais antigas, e porquê o limão tahiti ajuda a quebrar a delicadeza floral do pêssego e do siciliano.
Por fim angostura, água com gás, e noz-moscada
Resultado Final:
Meu Fish House Punch ficou frutado, cítrico, e levemente adocicado. A Angostura e a noz-moscada trouxeram uma picância leve, que em conjunto às notas cítricas do sherbet e limão, potencializaram o herbal e as notas gramíneas das cachaças. O licor de pêssego trouxe dulçor e um retrogosto de fruta seca que, aliado ao brandy, deixava na boca algo de panetone. A água com gás, longe de trazer carbonatação potente, auxiliou no frescor e uma leve salinidade. A diluição aqui foi essencial, pois ingredientes tão potentes facilmente tornariam o Fish House Punch uma bebida enjoativa.
O Bowl e as Xícaras
Minha mãe tem um belíssimo punch bowl de vidro lapidado. Ela comprou por uns R$ 50 em uma garage sale, e acho que usa para servir saladas. Ele é enorme, com capacidade para uns 8 litros; eu preparei cerca de 2.5 litros.
Eu tinha algumas opções de como proceder em relação ao gelo e como servir o coquetel, mas optei pelo que acreditei que manteria o punch agradável por mais tempo para os meus convidados. O dia estava quente, os convidados chegariam aos poucos. Esperei que todos estivessem presentes para tirar o punch da geladeira, pronto e engarrafado. Servi no bowl, e deixei uma caixa térmica com gelo e uma pá de gelo de fácil acesso.
Para servir, eu sou fã das xícaras de chá. Não apenas são muito bonitinhas, como misturar vários modelos dá um ar mais proposital do que ter vários tipos de copos ou taças. Elas serem mais curtas, na minha experiência, também reduz as chances de que esbarrem e as derrubem nas mesas.
O punch foi um sucesso. Frutado, levemente condimentado, fácil de beber. O tipo de bebida que a gente chama de “suquinho” e menospreza o teor alcóolico. Fico feliz em dizer que não tivemos nenhum acidente, mas decidi que devia ter feito um pouco mais. Alguém cair das escadas, afinal, talvez não seja tanto problema assim.

Abaixo, vou deixar uma estimativa das quantidades que usei na minha receita, caso alguém queira tentar melhorá-la. Espero ter a oportunidade de tentar novamente, com ingredientes mais propositais. Até lá, aguardo o convite de outros pra beber também. Saúde!
FUNÇÃO | INGREDIENTE | QUANTIDADE (ESTIMADA) |
FORTE | Brandy de Jerez Osborne | 600ml |
FORTE | Rum Bacardi Carta Oro | 150ml |
FORTE | Rum Havana Club 3 Anos | 150ml |
FORTE | Cachaça Primavera Cabriúva | 100ml |
FORTE | Cachaça Salineira Bálsamo | 75ml |
DOCE | Crème de Pêssego Peachtree | 300ml |
DOCE | Sherbet de Limão Siciliano | 250ml |
CÍTRICO | Limão Siciliano (Fresco) | 300ml |
CÍTRICO | Limão Taiti (Fresco) | 125ml |
FRACO | Água com Gás | 700ml |
ESPECIARIA | Angostura Aromática | 15ml |
ESPECIARIA | Noz-Moscada (Fresca) | à gosto |
Referências: CRADDOCK, H. The Savoy Cocktail Book. [s.l.] Martino Fine Books, 2015.; DAY, A. Cocktail Codex : Fundamentals, Formulas, Evolutions. [s.l.] Ten Speed Press, 2018.; KAPLAN, D.; FAUCHALD, N.; DAY, A. Death & Co : modern classic cocktails. Berkeley: Ten Speed Press, 2014.; MULDOON, S.; MCGARRY, J.; SCHAFFER, B. The Dead Rabbit Drinks Manual. [s.l.] HarperCollins, 2015. ; PYRAMID. The Cocktail Bible. [s.l.] Pyramid, 2018.; THOMAS, J. Jerry Thomas Bartenders Guide 1862 Reprint. [s.l: s.n.]. ;WONDRICH, D. Punch. [s.l.] Penguin, 2010. ;